quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Último Suspiro

É preto?
É viado?
É pobre?
É sem terra?
Tá fodido. Entendeu? Fodido!
Se for mulher, negra, pobre, lésbica, até puta, tá fodida. Entendeu? Fodida!
Pois é, também to fodido. Sou preto, gay, pobre, moro na periferia, e também soropositivo. Tá me entendendo? Tá entendendo? Também sou travesti. Aprendi a ser quando criança. Morador do Grajaú, a família não tinha nem o que comer. Não tinha dinheiro para se viver. Meu Pai mata homem, minha mãe furta, e eu dava o cú. Ta me entendendo? dava o cú por R$ 20,00, R$ 50,00 e até por R$ 100,00, quando fazia o serviço completo. Tá entendendo? Dei a porra para gringo também. Eles só queriam saciar dos prazeres, nunca, nunca pensaram em me tirar dessa vida. Tá entendendo? Estudei até a sexta série. Comia o lanche da escola, bagunçava muito, mas os professores consideravam eu um bom aluno. Os alunos me chamavam de  escroto, de nojento, bichinha, e até de bactéria. Tá me entendendo? To ou não to fodido? Fala? To fodido sim! Tá entendendo? Pastores da minha rua falam que tenho ainda salvação. Que tenho que conhecer Jesus. Que tenho que aprender a amar as pessoas. Que vivo uma vida de pecados. Que tenho um transtorno mental. E mesmo assim, Deus olha por mim. Ta me entendendo? Fala, porra alguma coisa. Não me deixe falando sozinho! Fala, Leo, Fale! Sabia que você era a única pessoa que me deixava feliz, e que talvez tenha me amado verdadeiramente. Não me deixe só. Também vou morrer em breve. Tá me entendendo? Quer que eu roube mais remédios? Não vá Leo, Já to fodido o bastante! Não me fode mais. Leo, Leo, Leo...

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Homossexualidade não é doença!


domingo, 11 de novembro de 2012

Ronda

grajaú...
jardim mirna...
vila são josé é pertinho daqui...
medo é da policia...
passa a viatura, e os caras olham com olhos de fogo,
arma para fora da janela.
PM, nas noticias nas FM 88.3,
nas AM 538 PCC
85º DP
onibus queimado

vitimas
estudantes
toque de recolher
paraisópolis
são remo
perifa.
o que fazer

domingo, 28 de outubro de 2012

É agora José

E agora José?
E agora nada,
Você perdeu,
Você foi rejeitado
Daqui a pouco vai ficar sem mulher
Vai continuar com seu discurso
O centrão vai com você
A noite cai
O dia de amanhã virá
O riso virá

E agora José?
Sua fria palavra
Suas promessas não cumpridas
Seus lacaios
Sua banca
Essa merda
E agora?

Toma aí um gole de pinga
Vai pra casa
Quer ir pra minas?
vá-te
Não retorne mais
não governe mais

José tá na hora!

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Numa conversa Política, eis a minha resposta:


snif... como não difere? caríssimo "fulano", aqui a miséria é extrema! não há como comparar com outras cidades. Sabemos, e isso é lógico, numa sociedade capitalista, a desigualdade social é gritante! Quando mais capital é gerado num Estado, Cidade, Local, mais extremidades encontramos! Mais índices de analfabetismo, mais escassez é a saúde, quando que
 um partido preza mais os que já tem! Se você acha que esse meu discurso é cíclico, sempre a mesma cartilha de militante, é porque a política que querem instaurar no sistema é contra os meus fundamentos, é contra o que eu acredito. Eu não só olho por um problema, tento enxergar sempre os que estão a merce disso tudo. E estou do lado de quem é o oprimido! estou do lado de políticas públicas que prezam a igualdade de gênero, que prezam uma boa educação, que prezam uma boa saúde, que lutam por uma reforma agrária, que luta para um país melhor, que sonha com a erradicação da pobreza extrema. É isso que busco, não estou apoiando o Haddad, o Serra, estou apenas afirmando o que tenho observado no meu, no seu, no nosso cotidiano. Mas se não queres dar atenção a isso tudo que vem acontecendo, que facilmente não há quem não entenda onde começa o problema, é você que decide. Se queres que alguém te convide para para ir na USP, ou na PUC, esse não é o problema, sou estudante da USP ("grande coisa"), e tenho muitos amigos, bolsistas da PUC, inclusive uma historiadora marxista... está aí o convite, e não moro num bairro nobre, assim como esses meus amigos... mas se tratar de universidade não vem a questão propriamente dito, o que importa é o nosso alfabetismo político. Assim como eu, você, por mais que tenhamos idéias que se diferem, fomos formados pela constatação e observação de mundo. Abaixo colocarei um poema de Bertold Brecht que acho que cabe bem num discurso como esse... 

Primeiro levaram os negros
Mas não me importei com isso
Eu não era negro

Em seguida levaram alguns operários
Mas não me importei com isso
Eu também não era operário 



Depois prenderam os miseráveis
Mas não me importei com isso
Porque eu não sou miserável 



Depois agarraram uns desempregados
Mas como tenho meu emprego
Também não me importei 



Agora estão me levando
Mas já é tarde.
Como eu não me importei com ninguém
Ninguém se importa comigo.

domingo, 16 de setembro de 2012

Variações Concretas: Pulsação 1


Variações Concretas: Pulsação 2


Variações Concretas: Pulsação 3


Variações Concretas: Pulsação 4


Variações Concretas: Pulsação 5


Variações Concretas: Pulsação 6


Variações Concretas: Pulsação 7


Variações Concretas: Pulsação 8


Variações Concretas: Pulsação 9


quarta-feira, 18 de julho de 2012

idéia i déia i d éia i d é ia i d é i a

Produção, duração, ação. Precisa disso, isso, para criar, saltar, desatar, respirar, ar. As idéias surgem, urgem para serem expressas, dessas que vão, são e ficam por aí. Com objetivos, ativos, vivos, serão lidas, vistas e discutidas. Bem-vindas expressarão opinião, união do jeito que são. Mas quando morrem, doem. As idéias são guardadas, dadas, e perdem o sentido, tido. Porém, além, vêem sempre outras produções, durações, ações...

terça-feira, 17 de julho de 2012

Não há Padrão



               Entra em cena um personagem singular, trajado com uma saia vermelha, de saltos altos, cabelos volumosos e loiros, batom vermelho-fogo, rosto retangular, pele morena, seios moderados, de altura entre 1,80m a 1,85m, tragando um cigarro, sempre de lado, ou de costa para a plateia. Deslocava-se pelo palco, que era preenchido de uma mesa retangular ao centro, com uma cadeira. Os sons produzidos por cada passo andado revelavam certa obscuridade ainda sobre a personagem. Ela para de repente de frente aos espectadores e diz: - Meu nome é Edi Macedo, sou homossexual, tenho 27 anos, e estou vestido assim, não porque todo homossexual se vista assim, mas muito pelo contrário, estou assim só para relatar como esta figura é bastante significativa, como ela está muito presente na nossa sociedade, na mídia, nos esteriótipos que já estamos acostumados a ver. - Não gosto de dar o cu, não é porque sou homossexual que irei gostar. Minha última relação foi bastante boa, era eu, e Franco, dois ativos, - Quem disse que não dá certo? fique sabendo que nós satisfazíamos dos prazeres sexuais muito bem, sem um precisar ser ativo, ou passivo, hora éramos, depois invertíamos, e por fim, sempre um, e o outro, no mesmo tempo, ou um minutinho depois chegaríamos ao orgasmo. – Esta roupa me deixa afeminado, mas seria uma mulher por conta disso? o fato deu aparentar isso, seja porque gosto de dar o cú? e por que? Por acaso toda mulher dar o cu, é todo travesti que quer dar? – Sou bicha, viado, baitola, é esse os nomes que sempre aparecem na mídia e nos papos de rua, bar, qualquer lugar, e até mesmo, e isso chega até ser pior, nos próprios meios.
Diante do público, os espectadores sentados em seus assentos, extasiados com os pequenos relatos, aguardavam entusiasmados para ver qual seria o próximo passo da bicha, depois que a mona tirou a sua peruca. E para completar a viadagem, esse público alvo eram os dos próprios meios, alguns se levantaram e saíram.
- Sempre gostei de homens, mas só fui descobrir isso aos 19 anos, não quero dizer que comecei a desejar os homens nesta idade, eu simplesmente não me aceitava, assim como muitos que conheci, e outros que até hoje se escondem. Nossa educação não foi preparada para os gays, somos filhos de pais heteros, e todos os valores que temos são dessa sociedade cristã que inferiorizam as mulheres, e tratam como se fossem doenças os homossexuais.
Enquanto o traveco relatava com uma série de monólogos, mais o público se envolvia nesta afetação, mas agora em relação ao repúdio a esta construção social. Sempre observando a figura, agora sem os brincos da orelha, e os saltos-altos, os sons dos passos cessaram, enquando a coisa andava de uma ponta a outra, no limite do palco.
– Franco morreu, vitima de HIV. Tenho esta doença a cinco anos. Quando conheci Franco, simplesmente aconteceu, foi relaxo, descuido talvez, de achar que sexo oral não contraria a doença. Ele sabia da possibilidade, mas não quisemos se prevenir. - Eu simplesmente só olhava pra ele, o amor que tinha era bem mais forte que qualquer outra doença. Mesmo sabendo, depois que o médico disse que era positivo, eu não entendia até então o grau de que isso pudesse interferir na minha vida. Depois de um tempo, na mesma época que Franco começou a deixar mais em evidencia a sua doença, foi que descobrir. - Querido público, não olhe assim pra mim, não pensem que está com AIDS vou contagiá-los. Tenho a minha vida pela frente, não sei até quando irei sobreviver, mas aproveito do tempo que me resta para, assim como muitos outros, Caio Fernando, Freddie Mercury, Cazuza, Renato Russo, etc, viver a vida da melhor maneira possível, aliás, não sei se eles conseguiram. -E uso deste meio para torna-lo em evidencia o quanto somos ainda excluídos desta esfera religiosa e social. – Se vocês vieram pensando que isso seria um espetáculo, uma performance, rica em imagens e cores, fique agora sabendo, que essas cores estão no imaginário de cada um.
O publico, com ar de constrangimento, mais uma vez se surpreende com a figura, que já não lembrava mais o travesti, mas um meio termo, como uma viadinha mal vestida. Sentado com um cigarro na mão, e depois posto num cinzeiro ao seu lado, a bicha muito lentamente começou a descer a meia-calça, revelando a sua perna, nem depilada, onde mais uma vez o público olhava-o com uma mistura de sensações.
 – A dois anos atrás, num seminário da faculdade, relatei uma situação, que é incompreendidos pelos padrões sociais e religiosos, o caso dos transsexuais. d’EUs não aceitava isso de forma alguma, eu a principio também não, isso ia contra a natureza. Foi quando numa enchente de perguntas, e mais perguntas, umas entrando em conflitos com as outras, que percebi que vivo numa lógica social de que as coisas devem ser certinhas, devem se encaixar, devem ser fáceis de compreender, foi então que compreendi o quão estávamos enclausurados por esta cadeia de costumes “corretos”. – Tiro esta roupa, e me vejo, e reflito como muitas vezes somos condicionados a aceitar um sistema repressor e nada fazer para mudar. Preciso da ajuda de vocês espectadores, isso não é apenas uma performance de um ator que fará a personagem de um travesti, muito pelo contrário, é o travesti que fará a personagem do ator, - Aquele que cujo papel, para um teatro critico, é encenar a nossa realidade como ela é.
Uma quantidade significativa já haviam se retirado dos seus assentos, mas no momento, as bichas que ainda restavam ali presentes, puderam ver a baitola, agora de costa para a plateia novamente, tirando um dos últimos adereços de seu corpo, a sainha. Ficando agora semi-nua, de calsinha fio-dental. Já não se observava mais um travesti, com exceção aquele traje feminino que ainda o carregava.
– Se espantam em me ver assim, semi nu, é isso? Sou homossexual, e esse corpo é masculino, não há porque falar, achar, duvidar de que seja igual a de qualquer um do mesmo sexo.
E tirando o último adereço, agora estando completamente nú, o viado evoca ao público – E agora, podemos ser tratados com mais respeito?
Fim do primeiro ato.

Kaith Vaughan

quarta-feira, 11 de julho de 2012

Medo da Eternidade - Clarice Lispector



Jamais esquecerei o meu aflitivo e dramático contato com a eternidade.

Quando eu era muito pequena ainda não tinha provado chicles e mesmo em Recife falava-se pouco deles. Eu nem sabia bem de que espécie de bala ou bombom se tratava. Mesmo o dinheiro que eu tinha não dava para comprar: com o mesmo dinheiro eu lucraria não sei quantas balas.
Afinal minha irmã juntou dinheiro, comprou e ao sairmos de casa para a escola me explicou:
- Tome cuidado para não perder, porque esta bala nunca se acaba. Dura a vida inteira.
- Como não acaba? - Parei um instante na rua, perplexa.
- Não acaba nunca, e pronto.
- Eu estava boba: parecia-me ter sido transportada para o reino de histórias de príncipes e fadas. Peguei a pequena pastilha cor-de-rosa que representava o elixir do longo prazer. Examinei-a, quase não podia acreditar no milagre. Eu que, como outras crianças, às vezes tirava da boca uma bala ainda inteira, para chupar depois, só para fazê-la durar mais. E eis-me com aquela coisa cor-de-rosa, de aparência tão inocente, tornando possível o mundo impossível do qual já começara a me dar conta.
 Com delicadeza, terminei afinal pondo o chicle na boca.
- E agora que é que eu faço? - Perguntei para não errar no ritual que certamente deveira haver.
- Agora chupe o chicle para ir gostando do docinho dele, e só depois que passar o gosto você começa a mastigar. E aí mastiga a vida inteira. A menos que você perca, eu já perdi vários.
- Perder a eternidade? Nunca.
O adocicado do chicle era bonzinho, não podia dizer que era ótimo. E, ainda perplexa, encaminhávamo-nos para a escola.
- Acabou-se o docinho. E agora?
- Agora mastigue para sempre.
Assustei-me, não saberia dizer por quê. Comecei a mastigar e em breve tinha na boca aquele puxa-puxa cinzento de borracha que não tinha gosto de nada. Mastigava, mastigava. Mas me sentia contrafeita. Na verdade eu não estava gostando do gosto. E a vantagem de ser bala eterna me enchia de uma espécie de medo, como se tem diante da idéia de eternidade ou de infinito.
Eu não quis confessar que não estava à altura da eternidade. Que só me dava aflição. Enquanto isso, eu mastigava obedientemente, sem parar.
Até que não suportei mais, e, atrevessando o portão da escola, dei um jeito de o chicle mastigado cair no chão de areia.
- Olha só o que me aconteceu! - Disse eu em fingidos espanto e tristeza. - Agora não posso mastigar mais! A bala acabou!
- Já lhe disse - repetiu minha irmã - que ela não acaba nunca. Mas a gente às vezes perde. Até de noite a gente pode ir mastigando, mas para não engolir no sono a gente prega o chicle na cama. Não fique triste, um dia lhe dou outro, e esse você não perderá.
Eu estava envergonhada diante da bondade de minha irmã, envergonhada da mentira que pregara dizendo que o chicle caíra da boca por acaso.
Mas aliviada. Sem o peso da eternidade sobre mim.

Foto: Paula Rego

fragmentos soltos


"Dessa vez não vou evitar dizer o que está na minha cabeça só porque eu sei que minha mente 'aquariana' vai negar no dia seguinte, não fugirei de palavras bonitas porque quem diz não é uma pessoa perfeita, não arrumarei mil defeitos pra brigar contra as novecentas e noventa e nove qualidades, não desviarei meus olhos por medo de ter minha mente lida, não sumirei por medo de desaparecer, não vou ferir por medo de machucar, não serei chato por medo de você me achar legal, não vou desistir antes de começar, não vou evitar minha excentricidade, não vou me anular por sentir demais e logo depois não sentir nada, não vou me esconder em personagens, não vou contar minha vida inteira em busca de ter realmente uma vida.
Dessa vez não vou querer tudo de uma vez, porque sempre acabo ficando sem nada no final. Estou apostando minhas fichas em você e saiba que eu não sou de fazer isso. Mas estou neste momento frágil que não quer acabar. Fiquei menos cafajeste, menos racional, menos eu. E estou aproveitando pra tentar levar algo adiante. Relacionamentos que não saem da primeira página já me esgotaram, decorei o prólogo e estou pronto pro primeiro capítulo. " Caio F. Abreu

quinta-feira, 5 de julho de 2012

    Incrivel como uma massa de gente consegue se reunir, em praça pública, organizar um telão, a projetar por pequeno aparelho, imagens de torcedores fanáticos e jogadores em euforia para uma final das libertadores. Provoco a sequinte reflexão. O resultado surpreendente, que não é tão assim, irá melhorar as nossas condições de vida? na praça que acordará na manhã sequinte, não existirá mais mendingos? pois estes ganharam um abrigo onde neste inverno, que não é tão inverno assim possam sobreviver. É dessa forma que acontece? o timão, que é do povão, trará boas novas pra nós? o quanto ganhamos com isso? é um jogo, ou não é?
     Fiquei maravilhado ao ver uma união de gente, todos parecidos, com bandeiras, cartazes, camisas. Alegres como deviam ficar, tão cheias como a lua, e contentes por uma liberdade conquistada.
     Num momento delirante pensei que essa mesma massa poderia, lutar, reinvindicar, e sair nas ruas em prol a uma sociedade mais igualitária. Perguto a vocês. Esse jogo, esse resultado, fará alguma diferença nas nossas vidas? sairei nas ruas e não serei mais vítima de preconceitos? sou mulher e o meu papel na sociedade será reconhecido? quanto vale um jogo? qual é sua influência na política e na vida privada?
     hoje a madrugada festeja, pessoas a caminharem por passos tortos, sons a emitirem uma constância frequência. Vozes dissonantes ao fim da rua. E bem baixinho, daqui do quarto da minha casa "...Salve o Corinthians, O campeão dos campeões, Eternamente dentro dos nossos corações..." Afinal, até que ponto fomos transformados?

sábado, 30 de junho de 2012

refletindo a semana

Refletindo sobre esta semana, descobrir que ela foi incrível. Acho que foi umas das semanas mais bem sucedidas pra mim. Segunda começou quando acordado, na madrugada fria de São Paulo, com livros de cálculos sobre a mesa, copo d'água, lista de exercícios. Terça, organização dos diários, para a reunião de quinta-feira no colégio, e divulgação do orgulho LGBT pela rede social. Quarta, organizando o cronograma, e o orçamento com o Bandieri, para o projeto do grupo enchendo laje & soltando pipa. Quinta reunião, dia do orgulho gay, fui pra escola com uma gravata colorida. Nas primeiras horas de sexta-feira, assistir um clássico de Fellini, "La Nave Va", incrível o filme. Só na sexta, que melou, combinado com os amigos para assistir "corintians, meu amor" da Cia Brava, esqueço a merda do bilhete único. Para não pagar mais condução, desviei o meu caminho, e a noite de sexta acaba com "Milk". Ah, antes disso, ia me esquecendo, também havia acabado de ler um livro muito bom inclusive, "O sonho do Celta" de Mario Vargas Llosa (recomendado também!). É isso, e hoje, reunião do Projeto Raiz. E amanhã, 1º de Julho, lembro agora da música que a Cássia Eller canta:

"Eu vejo que aprendi
O quanto te ensinei
E nos teus braços que ele vai saber
Não há por que voltar
Não penso em te seguir
Não quero mais a tua insensatez"

...É isso, daqui a pouco saio, e minha história continua, amanhã teatro, e nada de atraso, as 8 horas montar o cenário, e ensaiar!

PS: e claro, não poderia esquecer, mais um livro de Marcelino Freire desvirginado hoje! "Angu de Sangue"  

...E amanhã, 1° de Julho, letra de Renato Russo cantada por Cássia Eller, do álbum MTV Acústico


segunda-feira, 21 de maio de 2012

um papo religioso


Hei, já disse! Não acredito em d’EUs, não tem essa de então acreditar na “coisa ruim” sei que uma depende da outra (se d’EUs existe, o Diabo existe, não é isso?). Não acredito em d’EUs e pronto. Não entendeu? É fácil explicar, ou melhor, é mais fácil entender o meu ponto de vista do que o seu. Por mais que tenha fé, uma coisa que já perdi já faz um tempão. Eu frequentei a igreja, olhava para o Padre, para os coroinhas, para as pessoas, adorava orar naquele tempo. Imaginava eu e o Padre, no confessório, sozinho um com outro, eu tirando a sua batina. É isso, eu fiz catequese, fiz a primeira comunhão, fui batizado tardiamente. Mas minha formação foi a tua religião. Fui cristão, como sabes, fui um cristão que antes de refletir os dogmas dessa religião, apenas aceitava sem nenhum questionamento. Comecei estudar naquele tempo, conheci um novo d’EUs, chamava-se Darwin, Charles Darwin. Foi ele que fez e me conduziu a questionar muitos dos valores que seguia. E confesso que depois dele, as coisas foram desmoronando cada vez mais para minha crença. Não via mais o barro como a matéria prima da origem do homem, não havia mais cabimento em acreditar nisso.
É isso, retorno a dizer, não acredito em d’EUs! Ainda não entende? Quer que eu fale mais, e dê mais provas? Hein, um dia eu irei me arrepender? Quando estiver passando por apuros, eu vou rogar por d’EUs? É isso que você tá falando. É esse o medo que você tem? De receber a resposta majestosa do ser divino, não mais que abstrato? Você vai rezar por mim? Não precisa! Depois que conheci Darwin, também conheci outro d’EUs, Sigmund, Freud, Sigmund Freud, é isso. Agora acredito em dois deuses, já não sou mais monoteísta. Freud, tão delicado, me conduziu para uma melhor compreensão da mente humana. Depois veio Nietzsche, Saramago. E já me tornará num pagão.
Hoje já não sou pagão, só respeito e vejo que a mentalidade humana é sem limites. Você acredita seriamente que tudo que existe deve haver algum sentido? Que as formas da natureza devem ser totalmente simétricas, que o nosso universo é regido por um soberano? Já se questionou se um cachorro, um cavalo, ou um elefante já pensou nisso tudo? Eles apenas vivem e nada mais, só isso. Sim, também acredito na gravidade, como Einsteen disse, a gravidade é uma propriedade do espaço-tempo, conforme maior a massa, maior a curvatura. É tão lógico isso. Mas mesmo assim você continua sem me compreender? Bom, outra hora conversamos. (Claude Baudelaire)

 Salvador Dali

terça-feira, 15 de maio de 2012

VIII - Alberto Caeiro

Num meio-dia de fim de primavera
Tive um sonho como uma fotografia.
Vi Jesus Cristo descer à terra.
Veio pela encosta de um monte
Tornado outra vez menino,
A correr e a rolar-se pela erva
E a arrancar flores para as deitar fora
E a rir de modo a ouvir-se de longe.
Tinha fugido do céu.
Era nosso demais para fingir
De segunda pessoa da Trindade.
No céu era tudo falso, tudo em desacordo
Com flores e árvores e pedras.
No céu tinha que estar sempre sério
E de vez em quando de se tornar outra vez homem
E subir para a cruz, e estar sempre a morrer
Com uma coroa toda à roda de espinhos
E os pés espetados por um prego com cabeça,
E até com um trapo à roda da cintura
Como os pretos nas ilustrações.
Nem sequer o deixavam ter pai e mãe
Como as outras crianças.
O seu pai era duas pessoas
Um velho chamado José, que era carpinteiro,
E que não era pai dele;
E o outro pai era uma pomba estúpida,
A única pomba feia do mundo
Porque não era do mundo nem era pomba.
E a sua mãe não tinha amado antes de o ter.
Não era mulher: era uma mala
Em que ele tinha vindo do céu.
E queriam que ele, que só nascera da mãe,
E nunca tivera pai para amar com respeito,
Pregasse a bondade e a justiça!
Um dia que Deus estava a dormir
E o Espírito Santo andava a voar,
Ele foi à caixa dos milagres e roubou três.
Com o primeiro fez que ninguém soubesse que ele tinha fugido.
Com o segundo criou-se eternamente humano e menino.
Com o terceiro criou um Cristo eternamente na cruz
E deixou-o pregado na cruz que há no céu
E serve de modelo às outras.
Depois fugiu para o sol
E desceu pelo primeiro raio que apanhou.
Hoje vive na minha aldeia comigo.
É uma criança bonita de riso e natural.
Limpa o nariz ao braço direito,
Chapinha nas poças de água,
Colhe as flores e gosta delas e esquece-as.
Atira pedras aos burros,
Rouba a fruta dos pomares
E foge a chorar e a gritar dos cães.
E, porque sabe que elas não gostam
E que toda a gente acha graça,
Corre atrás das raparigas pelas estradas
Que vão em ranchos pela estradas
com as bilhas às cabeças
E levanta-lhes as saias.
A mim ensinou-me tudo.
Ensinou-me a olhar para as cousas.
Aponta-me todas as cousas que há nas flores.
Mostra-me como as pedras são engraçadas
Quando a gente as tem na mão
E olha devagar para elas.
Diz-me muito mal de Deus.
Diz que ele é um velho estúpido e doente,
Sempre a escarrar no chão
E a dizer indecências.
A Virgem Maria leva as tardes da eternidade a fazer meia.
E o Espírito Santo coça-se com o bico
E empoleira-se nas cadeiras e suja-as.
Tudo no céu é estúpido como a Igreja Católica.
Diz-me que Deus não percebe nada
Das coisas que criou —
"Se é que ele as criou, do que duvido" —
"Ele diz, por exemplo, que os seres cantam a sua glória,
Mas os seres não cantam nada.
Se cantassem seriam cantores.
Os seres existem e mais nada,
E por isso se chamam seres."
E depois, cansados de dizer mal de Deus,
O Menino Jesus adormece nos meus braços
E eu levo-o ao colo para casa.

Ele mora comigo na minha casa a meio do outeiro.
Ele é a Eterna Criança, o deus que faltava.
Ele é o humano que é natural,
Ele é o divino que sorri e que brinca.
E por isso é que eu sei com toda a certeza
Que ele é o Menino Jesus verdadeiro.
E a criança tão humana que é divina
É esta minha quotidiana vida de poeta,
E é porque ele anda sempre comigo que eu sou poeta sempre,
E que o meu mínimo olhar
Me enche de sensação,
E o mais pequeno som, seja do que for,
Parece falar comigo.
A Criança Nova que habita onde vivo
Dá-me uma mão a mim
E a outra a tudo que existe
E assim vamos os três pelo caminho que houver,
Saltando e cantando e rindo
E gozando o nosso segredo comum
Que é o de saber por toda a parte
Que não há mistério no mundo
E que tudo vale a pena.
A Criança Eterna acompanha-me sempre.
A direção do meu olhar é o seu dedo apontando.
O meu ouvido atento alegremente a todos os sons
São as cócegas que ele me faz, brincando, nas orelhas.
Damo-nos tão bem um com o outro
Na companhia de tudo
Que nunca pensamos um no outro,
Mas vivemos juntos e dois
Com um acordo íntimo
Como a mão direita e a esquerda.
Ao anoitecer brincamos as cinco pedrinhas
No degrau da porta de casa,
Graves como convém a um deus e a um poeta,
E como se cada pedra
Fosse todo um universo
E fosse por isso um grande perigo para ela
Deixá-la cair no chão.
Depois eu conto-lhe histórias das cousas só dos homens
E ele sorri, porque tudo é incrível.
Ri dos reis e dos que não são reis,
E tem pena de ouvir falar das guerras,
E dos comércios, e dos navios
Que ficam fumo no ar dos altos-mares.
Porque ele sabe que tudo isso falta àquela verdade
Que uma flor tem ao florescer
E que anda com a luz do sol
A variar os montes e os vales,
E a fazer doer nos olhos os muros caiados.
Depois ele adormece e eu deito-o.
Levo-o ao colo para dentro de casa
E deito-o, despindo-o lentamente
E como seguindo um ritual muito limpo
E todo materno até ele estar nu.
Ele dorme dentro da minha alma
E às vezes acorda de noite
E brinca com os meus sonhos.
Vira uns de pernas para o ar,
Põe uns em cima dos outros
E bate as palmas sozinho
Sorrindo para o meu sono.

Quando eu morrer, filhinho,
Seja eu a criança, o mais pequeno.
Pega-me tu ao colo
E leva-me para dentro da tua casa.
Despe o meu ser cansado e humano
E deita-me na tua cama.
E conta-me histórias, caso eu acorde,
Para eu tornar a adormecer.
E dá-me sonhos teus para eu brincar
Até que nasça qualquer dia
Que tu sabes qual é.

Esta é a história do meu Menino Jesus.
Por que razão que se perceba
Não há de ser ela mais verdadeira
Que tudo quanto os filósofos pensam
E tudo quanto as religiões ensinam?




sexta-feira, 11 de maio de 2012

Poema em Linha Reta - Álvaro de Campos

Keith Vaughan

Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.

E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita, Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,

Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,

Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.
Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...
Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.

Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,
Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?

Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?
Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?

Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.

sexta-feira, 4 de maio de 2012

Minha Flor - Marcelino Freire


Filho, sua mãe é homossexual.
Está amando outra mulher e sendo amada.
Filho, entenda. Como dizer isso? Não passa de hoje, quando chegar em casa. São três horas da madrugada. Ele me esperando, acordado, preocupado. Filho, é isso. O mundo anda tão evoluído, moderno. Flor está comigo, Passeia nas minhas coxas. Tomo whisky, fumo fumaça. Filho, não tenho culpa. Sua mãe também é gente, ser humano. Moda liberada, ano 2000. Filho, eu te amo.
                Seu pai foi o homem que mais amei. Quando o vi pela primeira vez, aconteceu. Aconteceu já na primeira vez uma vida toda. Insisti, fui atrás. Abanei meu charme, me humilhei pra cachorra. Até que ele cedeu, filho. Fui a mulher mais feliz do bairro. Fui feliz, uma alma encantada no universo. Não reclamo. Seu pai foi ótimo, me deu tudo. Seu pai, um homem sério. Mas ele morreu. Morreu, filho, faz cinco anos. Mas não desapareceu. Seu pai ainda é meu.
                Chego hoje e digo, de hoje não fujo. Flor me deixa no prédio, subo. Flor me beija, Flor me aquece. Conto tudo. Como foi, por que foi. Por que essa angustia. Não desejo morrer assim, feliz só pra mim, é difícil.
                Filho, se você estivesse aqui do meu lado. Como seu pai, agora está, acredito. flor parece com seu pai. Flor diz coisas muito iguais. Gosta de Bach, Mozart, gosta de charutos. Filho, ela gosta de charutos. Bebe o mesmo vinho.
                Querido, não precisa chamar ninguém de madrasta. Padrasto então, não tem isso. O pessoal pergunta: quem é o homem? Quem é a mulher? Absurdo. Eu e seu pai fazíamos coisas que até a vida duvida. Filho, hoje eu quero chorar, desabafar, eu quero me libertar. Preciso.
                Vamos embora. Flor. E flor quis ficar mais um pouco. Apertando a minha mão. Dizendo para eu não me precipitar. Preocupada que ela está. Flor tem a sua idade.
                Não se assuste, filho. Ela parece mais velha. Ela parece ter a idade do seu pai, acredite. Tem um coração antigo, no bom sentido. Coração maduro e leve. Bem leve.
                Beijo o batom de Flor, arranco o batom fora, a pétala. Vamos embora.
                Fomos.
                Sei que não é de agora que você acha estranho meu novo comportamento. Felicidade e festa. A gente fica incorporando uma criança.
                A gente saltita. Você me pegou várias vezes ao telefone, vermelha. Sussurrando pelos cantos, vermelha. Demorando no chuveiro, saindo para viajar. Tomando bronze no Guarujá. Indo ao cinema, dançar. Tendo cada vez menos saudades do seu pai. É mentira. Quando estou com Flor seu pai participa. E isso não tem nada a ver, repito, com quem dorme em cima ou dorme embaixo. Filho, o carro chegou. Tenho a impressão de que o porteiro desconfiou. O porteiro olha pra mim, sorri. Sabe sorriso vigilante? Sabe sorriso conquistador? Sabe sorriso no escuro? Cambaleante, entro no elevador. Puxo uma respiração. Olho minha vida no espelho. Hoje não tenho medo.
                Entro devagar. Não quero assustar passarinhos. Lembro que quando namorava seu pai, a gente não corria atrás de pombos. A gente chegava aos poucos, irmanados. A gente trazia pão e trazia nossas mãos. Felizes. Seu pai, filho, me deu tanto amor que foi esse amor que pôs Flor no meu caminho. Só quem ama assim é que entende. E mais que entende, sente. Você me ama, filho. Nada entre a gente teve fim. Filho, de novo eu digo: te amos demais. Por isso quero repartir, compartilhar. Olhar o sol já se abrindo no seu quarto.
                Na cama, já. Não me esperou chegar. Desligo a luz ligada, recolho a revista do seu colo. Filho querido, esse frio. Não tem frio. Puxo o lençol até seu peito. Deixa, filho, pra lá.
                A mesma felicidade é amanhã, assim que o mundo acordar.


domingo, 22 de abril de 2012

Coração - Marcelino Freire

Bicha devia nascer sem coração. É, devia nascer. Oca. É, feito uma porta. Ai, ai. Não sei se quero chá ou café. Não sei. Meus nervos à flor de algodão. Acendo um cigarro e vou assistir televisão. Televisão. O especial de Roberto Carlos todo ano. Ai, que amolação! Esse coração de merda. Bicha devia nascer vazia. Dentro do peito, um peru da Sadia. É, devia.

Célio conheceu Beto na estação de trem, em setembro. Moreno bonito. Célio acariciou o membro de Beto no aperto vespertino, no balanço ferroviário. Beto gozou na mão do viado. Encabulado, mascou seu chiclete, desceu e nem olhou para trás, para Célio. Célio feliz por um certo tempo. A gosma entre os dedos. A porra a gente esconde no ferro, debaixo do banco.

Depois encontrei com ele de novo. Oi, oi. Perguntou se eu tinha um cigarro, se morava na XV de novembro. Se eu trabalhava, de quê trabalhava, essas coisas. Se ele podia me acompanhar até em casa. E você? Deixei, deixei. Eu não tenho medo. Se for ladrão, não tem o que levar. E ele parecia, sei lá, um menino bom. Bafão, mona. Abra a janela que eu estou ficando tonta.

Era feriado de 7 de setembro. O povo descendo cariado, passando catracas, barracas. Célio se sentindo…

A dona do puto.

… na companhia de Beto, que vestia camiseta branca, calça bege, meio jegue, de peito cabeludo.

- Chegamos.

Havia cacharolas cinzas no fogão, pratos, ossos e esponja. No quartinho, colchas coloridas.

Conquista de território.

Aí o bofe tomou um ki-suco de morango, comeu um omelete, conversou pouco e nada. Não rolou nada aquele dia, acredita? Ele travou, não sei. Não-me-toque, eu não toquei. E assim a gente ficou. Ele saiu chupando um chiclete de uva-maça-verde. Eu amarelei.

Depois disso, quem disse que Célio se concentrou nos seus desenhos? Fazia moda verão, inverno, jaquetas e turbantes. E pensava na boca do Beto, no desodorante. No dia em que ele gozasse no seu travesseiro de cetim. Ai, ai de mim. Procurou o moreno em todos os vagões. Não esqueceu nenhum.

A pior coisa, amiga, é uma trepada quando fica engasgada. Vira uma lembrança agoniada. Uh!

Encontrou Beto uma semana depois. Na mesma hora em que estava masturbando outro, desiludido e oco. Um loiro que nem chegava aos pés do moreno misterioso. Epa! Correu e disse alguma coisa: algo como “Omelete recheado”. Vamos de novo?

Foram e chegaram.

No quartinho, colchas coloridas. Conquista de território, nunca se sabe. O mundo é cheio de voltas desconfortáveis. Mas de hoje não passa.

Ai o bofe tomou ki-suco e comeu omelete. Tinha bolo Souza Leão. Foi quando ele perguntou se podia dormir comigo aquela noite. Claro que sim, se não! O rádio-relógio tocando Maria Bethânia, as canções que você fez para mim. Eu não tive dúvida. Fui tirando a roupa do bofe. Uau! Menina! Bicha devia nascer sem coração, tô te falando.

Quando acordou, depois de tanto prazer, cadê o amor? O menino saiu, na madrugada. Evaporou-se. Como? Célio viu se tudo na casa estava em ordem. As caçarolas intactas, os ossos continuavam à mostra. Ora, que menino mais capeta! Só sobrou o chiclete, acredita?

Ai, ai. Mesmo assim, cheio de formiga.

Cheguei atrasado na confecção, na terça. Não quis almoço, não fiz marmita. Lá fui eu de novo atrás do bofe. Como uma anta perdida. Não tem coisa pior do que o abandono. Depois de uma trepada daquela, tudo parecia ser eterno. Aí é que a gente se engana.

Nada, mona.

No lugar do coração, bicha devia ter uma bomba. A minha vontade era ter uma granada, para estourar no trem. Para fazer uma desgraça, juro. Só assim, Deus vai olhar para mim. Vai me trazer de volta aquele anjo. Sim, porque era um anjo. Não me roubou. Não me bateu. Sabe o que ele me falou? Que queria ser corredor de Fórmula-1. Vai ver foi isso. Zummmmm.

Até hoje, nem sombra. Célio não quis saber de outro cara. Mesmo que alguns só faltassem esfregar o pau na sua…

Você me respeite.

Tem um, lá no Brás, que vive convidando o Célio para ir ao parque. Para comer tapioca com creme de leite. Naquele Natal, até ganhou do cara um peru da Sadia, um vinho…

Não agüentei ficar em casa, sozinho, e vim tomar um café com você. Essa bosta de tristeza que bate no coração da gente, de repente. Que desmantelo! Bem que Roberto Carlos podia cortar esse cabelo. E eu, nascer sem coração, repetiu. É, sem coração.

Para não ter que ouvir essa canção.


 Keith Vaughan

Nos Poços - Caio Fernando Abreu

Primeiro você cai num poço. Mas não é ruim cair num poço assim de repente? No começo é. Mas você logo começa a curtir as pedras do poço. O limo do poço. A umidade do poço. A água do poço. A terra do poço. O cheiro do poço. O poço do poço. Mas não é ruim a gente ir entrando nos poços dos poços sem fim? A gente não sente medo? A gente sente um pouco de medo mas não dói. A gente não morre? A gente morre um pouco em cada poço. E não dói? Morrer não dói. Morrer é entrar noutra. E depois: no fundo do poço do poço do poço do poço você vai descobrir quê.
 do livro "O Ovo Apunhalado" Pg. 19

Sebastian Moreno - Tierra de desesperacion

segunda-feira, 9 de abril de 2012

Apontamento


A minha alma partiu-se como um vaso vazio.
Caiu pela escada excessivamente abaixo.
Caiu das mãos da criada descuidada.
Caiu, fez-se em mais pedaço
s do que havia loiça no vaso.


Asneira? Impossível? Sei lá!
Tenho mais sensações do que tinha quando me sentia eu.
Sou um espalhamento de cacos sobre um capacho por sacudir.

Fiz barulho na queda como um vaso que se partia.
Os deuses que há debruçam-se do parapeito da escada.
E fitam os cacos que a criada deles fez de mim.

Não se zanguem com ela.
São tolerantes com ela.
O que era eu um vaso vazio?

Olham os cacos absurdamente conscientes,
Mas conscientes de si mesmos, não conscientes deles.

Olham e sorriem.
Sorriem tolerantes à criada involuntária.

Alastra a grande escadaria atapetada de estrelas.
Um caco brilha, virado do exterior lustroso, entre os astros.
A minha obra? A minha alma principal? A minha vida?
Um caco.
E os deuses olham-o especialmente, pois não sabem por que ficou ali.

(Álvaro de Campos)




quinta-feira, 29 de março de 2012

"quando soltaram os cachorros loucos"




Se aventurar nas páginas e páginas daquele escritor, que de certa forma te toca, é a melhor sensação. Como está sendo bom ler nos retornos da faculdade para casa, Caio F. Abreu. Como foi bom, e maravilhoso hoje ler algo de humor vindo das palavras deste grande, mesmo sabendo que, o que virá na sequência, pode inverter o estado de espirito. "Triângulos das Águas", livro bastante propício para ler em março. "soltaram os cachorros loucos". E como se eu já soubesse, ou prevesse, as referências, os gostos, as simpatias, e as experiências, vêem de total harmonia com as minhas. A cada palavra dada, uma sensação de espirito surge. A cada gesto descrito, um sensação de leveza ou peso atrai. E a cada ausência, se repelem. Como se fossem a mesma analogia do espelho, refletem as suas sensações, e quando pára para pensar, essas sensações não são suas, mas do próprio personagem, que saem de um plano metafísico para projetarem em outros, e pensando assim, veio algumas gravuras de Escher, quando há uma mistura dos planos euclidianos, ou melhor, dos espaços euclidianos, a ponto de confudirem-se com a nossa mente, e que as tranformam em grandes enigmas.

segunda-feira, 19 de março de 2012

...depois


Depois da tarde cheia,
Há um momento de vazio.
Uma sensação boa e ruim,
Boa pela tarde ter sido cheia,
E ruim pelo dia seguinte ter esvaziado.
Medo por não haver mais as tardes cheias.
Cheias de encanto, de paixão, de abraços apertados.
Tarde que proporcionou aventuras.
Leituras, músicas, beijos, filmes, exposições.
Tarde que unia dois homens,
Que afagava seus sentimentos.
Unia um corpo no outro corpo.
Equilibrava as temperaturas,
Daquele que veio do frio de Amsterdã,
Ao encontro deste, do calor de São Paulo.
                                   (São Paulo (SP), 19 de março de 2012)