terça-feira, 17 de julho de 2012

Não há Padrão



               Entra em cena um personagem singular, trajado com uma saia vermelha, de saltos altos, cabelos volumosos e loiros, batom vermelho-fogo, rosto retangular, pele morena, seios moderados, de altura entre 1,80m a 1,85m, tragando um cigarro, sempre de lado, ou de costa para a plateia. Deslocava-se pelo palco, que era preenchido de uma mesa retangular ao centro, com uma cadeira. Os sons produzidos por cada passo andado revelavam certa obscuridade ainda sobre a personagem. Ela para de repente de frente aos espectadores e diz: - Meu nome é Edi Macedo, sou homossexual, tenho 27 anos, e estou vestido assim, não porque todo homossexual se vista assim, mas muito pelo contrário, estou assim só para relatar como esta figura é bastante significativa, como ela está muito presente na nossa sociedade, na mídia, nos esteriótipos que já estamos acostumados a ver. - Não gosto de dar o cu, não é porque sou homossexual que irei gostar. Minha última relação foi bastante boa, era eu, e Franco, dois ativos, - Quem disse que não dá certo? fique sabendo que nós satisfazíamos dos prazeres sexuais muito bem, sem um precisar ser ativo, ou passivo, hora éramos, depois invertíamos, e por fim, sempre um, e o outro, no mesmo tempo, ou um minutinho depois chegaríamos ao orgasmo. – Esta roupa me deixa afeminado, mas seria uma mulher por conta disso? o fato deu aparentar isso, seja porque gosto de dar o cú? e por que? Por acaso toda mulher dar o cu, é todo travesti que quer dar? – Sou bicha, viado, baitola, é esse os nomes que sempre aparecem na mídia e nos papos de rua, bar, qualquer lugar, e até mesmo, e isso chega até ser pior, nos próprios meios.
Diante do público, os espectadores sentados em seus assentos, extasiados com os pequenos relatos, aguardavam entusiasmados para ver qual seria o próximo passo da bicha, depois que a mona tirou a sua peruca. E para completar a viadagem, esse público alvo eram os dos próprios meios, alguns se levantaram e saíram.
- Sempre gostei de homens, mas só fui descobrir isso aos 19 anos, não quero dizer que comecei a desejar os homens nesta idade, eu simplesmente não me aceitava, assim como muitos que conheci, e outros que até hoje se escondem. Nossa educação não foi preparada para os gays, somos filhos de pais heteros, e todos os valores que temos são dessa sociedade cristã que inferiorizam as mulheres, e tratam como se fossem doenças os homossexuais.
Enquanto o traveco relatava com uma série de monólogos, mais o público se envolvia nesta afetação, mas agora em relação ao repúdio a esta construção social. Sempre observando a figura, agora sem os brincos da orelha, e os saltos-altos, os sons dos passos cessaram, enquando a coisa andava de uma ponta a outra, no limite do palco.
– Franco morreu, vitima de HIV. Tenho esta doença a cinco anos. Quando conheci Franco, simplesmente aconteceu, foi relaxo, descuido talvez, de achar que sexo oral não contraria a doença. Ele sabia da possibilidade, mas não quisemos se prevenir. - Eu simplesmente só olhava pra ele, o amor que tinha era bem mais forte que qualquer outra doença. Mesmo sabendo, depois que o médico disse que era positivo, eu não entendia até então o grau de que isso pudesse interferir na minha vida. Depois de um tempo, na mesma época que Franco começou a deixar mais em evidencia a sua doença, foi que descobrir. - Querido público, não olhe assim pra mim, não pensem que está com AIDS vou contagiá-los. Tenho a minha vida pela frente, não sei até quando irei sobreviver, mas aproveito do tempo que me resta para, assim como muitos outros, Caio Fernando, Freddie Mercury, Cazuza, Renato Russo, etc, viver a vida da melhor maneira possível, aliás, não sei se eles conseguiram. -E uso deste meio para torna-lo em evidencia o quanto somos ainda excluídos desta esfera religiosa e social. – Se vocês vieram pensando que isso seria um espetáculo, uma performance, rica em imagens e cores, fique agora sabendo, que essas cores estão no imaginário de cada um.
O publico, com ar de constrangimento, mais uma vez se surpreende com a figura, que já não lembrava mais o travesti, mas um meio termo, como uma viadinha mal vestida. Sentado com um cigarro na mão, e depois posto num cinzeiro ao seu lado, a bicha muito lentamente começou a descer a meia-calça, revelando a sua perna, nem depilada, onde mais uma vez o público olhava-o com uma mistura de sensações.
 – A dois anos atrás, num seminário da faculdade, relatei uma situação, que é incompreendidos pelos padrões sociais e religiosos, o caso dos transsexuais. d’EUs não aceitava isso de forma alguma, eu a principio também não, isso ia contra a natureza. Foi quando numa enchente de perguntas, e mais perguntas, umas entrando em conflitos com as outras, que percebi que vivo numa lógica social de que as coisas devem ser certinhas, devem se encaixar, devem ser fáceis de compreender, foi então que compreendi o quão estávamos enclausurados por esta cadeia de costumes “corretos”. – Tiro esta roupa, e me vejo, e reflito como muitas vezes somos condicionados a aceitar um sistema repressor e nada fazer para mudar. Preciso da ajuda de vocês espectadores, isso não é apenas uma performance de um ator que fará a personagem de um travesti, muito pelo contrário, é o travesti que fará a personagem do ator, - Aquele que cujo papel, para um teatro critico, é encenar a nossa realidade como ela é.
Uma quantidade significativa já haviam se retirado dos seus assentos, mas no momento, as bichas que ainda restavam ali presentes, puderam ver a baitola, agora de costa para a plateia novamente, tirando um dos últimos adereços de seu corpo, a sainha. Ficando agora semi-nua, de calsinha fio-dental. Já não se observava mais um travesti, com exceção aquele traje feminino que ainda o carregava.
– Se espantam em me ver assim, semi nu, é isso? Sou homossexual, e esse corpo é masculino, não há porque falar, achar, duvidar de que seja igual a de qualquer um do mesmo sexo.
E tirando o último adereço, agora estando completamente nú, o viado evoca ao público – E agora, podemos ser tratados com mais respeito?
Fim do primeiro ato.

Kaith Vaughan

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