Exponho nestas páginas pequenos fragmentos. Experiências com o tempo, com o mundo e acima de tudo com a humanidade. Falo da vida como parte integrantes de outros que falaram. Exponho fragmentos desses seres. Diálogo entre eles. Eles dialogam entre si. "Ando pelo mundo prestando atenção em cores que não sei o nome, Cores de Àlmodovar, Cores de Frida Kahlo, Cores..."
quarta-feira, 28 de dezembro de 2011
Correspondências de fim de ano
Conheci
a Hilda Hilst lendo Caio Fernando Abreu. Ontem terminei de ler o primeiro
livro dela que tive a coragem de me aventurar na sua literatura, O Caderno
Rosa de Lori Lamby. Haja fôlego para ler, pelo menos esse livro.
Conteúdo denso, e te grande teor obsceno. Mas muito bom!!! Em baixo
segue a carta que havia lido, e me interessado pela Hilda. O mais
incrível é que ele fala da Clarice Lispector que amo-a também. Tive orgasmos literários
hoje! e olhando videos no you tube, como não bastasse encontro o Zeca
Baleiro e a Zélia Duncan falando da mesma!
Carta - 1970
"Hildinha, a carta para você já estava escrita, mas aconteceu agora de
noite um negócio tão genial que vou escrever mais um pouco. Depois que
escrevi para você fui ler o jornal de hoje: havia uma notícia dizendo
que Clarice Lispector estaria autografando seus livros numa televisão, à
noite. Jantei e saí ventando. Cheguei lá timidíssimo, lógico. Vi uma
mulher linda e estranhíssima num canto, toda de preto, com um clima de
tristeza e santidade ao mesmo tempo, absolutamente incrível. Era ela. Me
aproximei, dei os livros para ela autografar e entreguei o meu
Inventário. Ia saindo quando um dos escritores vagamente bichona que
paparicava em torno dela inventou de me conhecer e apresentar. Ela
sorriu novamente e eu fiquei por ali olhando. De repente fiquei
supernervoso e sai para o corredor. Ia indo embora quando (veja que
GLÓRIA) ela saiu na porta e me chamou: - “Fica comigo.” Fiquei.
Conversamos um pouco. De repente ela me olhou e disse que me achava
muito bonito, parecido com Cristo. Tive 33 orgasmos consecutivos. Depois
falamos sobre Nélida (que está nos States) e você. Falei que havia
recebido teu livro hoje, e ela disse que tinha muita vontade de ler,
porque a Nélida havia falado entusiasticamente sobre Lázaro. Aí, como eu
tinha aquele outro exemplar que você me mandou na bolsa, resolvi dar a
ela. Disse que vai ler com carinho. Por fim me deu o endereço e telefone
dela no Rio, pedindo que eu a procurasse agora quando for. Saí de lá
meio bobo com tudo, ainda estou numa espécie de transe, acho que nem vou
conseguir dormir. Ela é demais estranha. Sua mão direita está toda
queimada, ficaram apenas dois pedaços do médio e do indicador, os outros
não têm unhas. Uma coisa dolorosa. Tem manchas de queimadura por todo o
corpo, menos no rosto, onde fez plástica. Perdeu todo o cabelo no
incêndio: usa uma peruca de um loiro escuro. Ela é exatamente como os
seus livros: transmite uma sensação estranha, de uma sabedoria e uma
amargura impressionantes. É lenta e quase não fala. Tem olhos
hipnóticos, quase diabólicos. E a gente sente que ela não espera mais
nada de nada nem de ninguém, que está absolutamente sozinha e numa
altura tal que ninguém jamais conseguiria alcançá-la. Muita gente deve
achá-la antipaticíssima, mas eu achei linda, profunda, estranha,
perigosa. É impossível sentir-se à vontade perto dela, não porque sua
presença seja desagradável, mas porque a gente pressente que ela está
sempre sabendo exatamente o que se passa ao seu redor. Talvez eu esteja
fantasiando, sei lá. Mas a impressão foi fortíssima, nunca ninguém tinha
me perturbado tanto. Acho que mesmo que ela não fosse Clarice Lispector
eu sentiria a mesma coisa. Por incrível que pareça, voltei de lá com
febre e taquicardia. Vê que estranho. Sinto que as coisas vão mudar
radicalmente para mim – teu livro e Clarice Lispector num mesmo dia são,
fora de dúvida, um presságio. Fico por aqui, já é muito tarde. Um
grande beijo do teu"
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